16/07/2006, Keynes Breves, Diário do Amazonas
Tricampeão Após 13 dias do resultado do 41º Festival Folclórico de Parintins, a polêmica continua sobre as notas que o jurado José Alberto Nemer deu ao Bumbá Caprichoso na segunda noite do evento.
O debate sobre a possível parcialidade do jurado em favor ao boi Garantido Tricampeão do Festival começou depois que o presidente do Caprichoso, Carmona Oliveira Filho, publicou nos principais jornais do Estado, uma nota de repúdio.
Na nota, o presidente do bumbá pediu desculpas aos torcedores. Dizia a nota: O Caprichoso, que ao longo de sua história tudo temfeito para manter e elevar o brilhantismo do boi bumbá de Parintins, pede desculpas à sua galera e ao público pelo mau exemplo do jurado José AlbertoNemer e de alguns manipuladores de resultado... No último sábado 08 de julho um programa da rádio Difusora, também fez uma mesa redonda para debater sobre essa possível parcialidade do jurado.
E para tentar esclarecer alguns pontos sobre as notas dadas pelo referido jurado, o DIÁRIO DO AMAZONAS conseguiu uma entrevista exclusiva com o artista plástico José Alberto Nemer, direto de Mato Grosso. Na entrevista, o artista disse que o sistema votação é inadequado para a natureza do que se julga.
Em outra parte, Nemer afirma: Só ficou uma infeliz impressão de que, de minha parte, as notas quiseram subestimar o Caprichoso, o que absolutamente não corresponde à verdade, pois do início ao fim tive grande admiração pelo trabalho que fazem.
DIÁRIO DO AMAZONAS - O senhor foi escolhido e convidado para julgar uma das maiores manifestações folclóricas do País. Como aconteceu o contato com o senhor para ser jurado do Festival de Parintins? Quem lhe convidou? JOSÉ ALBERTO NEMER - O convite veio do presidente do júri, o designer Eduardo Barroso. Nos conhecemos a muito tempo e temos um respeito grande pela trajetória profissional um do outro. O convite foi feito poucos dias antes do Festival. Tive que cancelar e adiar outros compromissos para poder aceitá-lo. DA - Você já tinha ouvido falar sobre a festa dos bumbás Caprichoso e Garantido? JAN - Claro. Aceitei o convite exatamente para conhecer de perto esta grande manifestação. DA - A Associação Folclórica Boi Bumbá Caprichoso lançou uma nota de repúdio em alguns jornais do Estado afirmando que o senhor foi parcial ao julgar os itens individuais do bumbá. O senhor foi parcial? JAN - Emprimeiro lugar, devemos reconhecer que o sistema de votação é inadequado para a natureza do que se julga. Quando se está diante de uma manifestação cultural desse porte, onde a criatividade é a tônica, o sistema de notas por itens, quesitos etc se revela parcial, fragmentado e falho. Em segundo lugar, como artista, costumo apreciar as manifestações artísticas, onde quer que estejam, de forma global, inteira, para depois então ir entrando nos detalhes. Com as apresentações do festival, não foi diferente. Assisti com atenção a tudo e deixei emergir uma percepção crítica do conjunto. Ao votar, acheimais justo fazer refletir, em minhas notas, essa percepção. DA - Só para lembrar, nas três noites, o Senhor deu 20 notas dez para o Garantido e apenas uma nota dez para o Caprichoso no item pajé, na última noite de apresentação. Os itens do bumbá Garantido foram tão superiores aos do Caprichoso? JAN - Como falei na resposta anterior, o sistema de julgamento por itens é incompatível com uma apresentação de criação artística, sobretudo de criação coletiva, emque todos os participantes têm suas cotas individuais de contribuição para resultar no grande espetáculo que é. Em princípio, as notas variavam numa escala de zero a dez. Mas, exatamente pelo fato de as duas agremiações, no cômputo geral, se equivalerem, convencionou- se de se dar notas de nove a dez. Como professor, sempre considerei que as notas nove e dez são, ambas, atribuições de excelência para quem as obtém, e assim o fiz. Só que, no caso específico do festival, provocou uma distorção, como se a nota nove significasse zero, o que é um erro de perspectiva e de interpretação. Para alguém que vive da criação artística como eu, jamais poderia passar despercebido o investimento em pesquisa, realização e qualidade da apresentação do Caprichoso. Ofato é que, não só eu,mas caímos todos na armadilha dos números e eles nos traíram, na medidaemque, quando se dá nove para um e dez para outro, se está lidando com uma diferença entre os dois de, no máximo, 10%. Foi como eu raciocinei, sem imaginar que na contagem final, as diferenças pudessem se agigantar. Por outro lado, tranqüiliza- me o fato de que, como as menores notas são eliminadas, em qualquer circunstância, os resultados finais seriam os mesmos. Houve consenso dos jurados quanto a isto. Só ficou uma infeliz impressão de que, de minha parte, as notas quiseram subestimar o Caprichoso, o que absolutamente não corresponde à verdade, pois do início ao fim tive grande admiração pelo trabalho que fazem. DA - Sendo artista plástico, o senhor foi designado para julgar itens como dança, coreografia e desenvoltura dos itens. Mas, o senhor não deveria julgar os itens do bloco artístico, onde julgaria os itens como: Ritual Indígena, Tribos Indígenas, Tuxauas, Figura Típica Regional, Alegoria, Lenda Amazônica e Vaqueirada? JAN - Não se escolhe o que julgar, pois isto faz parte de uma estrutura que já vemorganizada. De qualquer modo, não faz muita diferença. Estamos, coma experiência de uma sensibilidade múltipla, acostumados a ver a diversidade e a encontrar o talento criativo onde quer que ele se manifeste. No fundo, toda criação artística se encontra. DA - E para o Senhor, o que foi julgar o Festival de Parintins? O Senhor esperava uma festa tão grandiosa no interior do Amazonas? JAN - Para ser sincero, o julgamento em si, não foi agradável. O trabalho é árduo e as instalações desconfortáveis. Além disto, ter que escolher entre duas agremiações tão fortes uma que seja a melhor, é uma tarefa tensa e ingrata. O julgamento nos coloca diante do desafio de ter que ser exatos num universo de valores subjetivos. Entretanto, como espectador tive o prazer de assistir a um dos mais belos espetáculos, uma verdadeira ópera popular, com engenhos mecânicos inusitados, lúdicos e cheios de surpresa. |