Caprichoso: saudosismo renova o espírito do torcedor
02/04/2003, Peta Cid, direto de Parintins
Na era da modernidade em que o boi da nova tecnologia e efeitos visuais é destaque, o saudosismo renova o espírito do parintinense que vê renascer a oportunidade de brincar o São João como se fazia há 50 anos. Mesmo que a brincadeira tenha se transformado em uma encenação teatral que realça o boi-bumbá amazônico e suas lendas, a nova proposta de valorização das raízes, explícita no ritmo e nos versos de parte das toadas oficiais do Boi Caprichoso consegue reacender o vigor e a paixão de antigos torcedores da Ilha Tupinambarana.
É assim para os fiéis ritmistas, os marujos sempre dispostos a acompanhar por sucessivas horas a cadência do boi Caprichoso. Impulsionar o futuro conservando a memória do passado sempre foi um desafio, mas a nova diretoria traçou as metas e vai aos poucos conseguindo promover o encontro do passado com o presente numa grande festa popular.
Pelo menos animação não vai faltar para o mais empolgado brincante da Marujada de Guerra, Hilzio Menezes da Cruz, 'o pirolote'. Aos 73 anos - 63 brincando no boi - ele não esconde a satisfação de morador do 'Esconde', como é chamado o reduto do Caprichoso no bairro da Francesa em Parintins. Aqui o boi brincou por muitos anos, disse apontando para o lugar do antigo curral. Eu tô velho, mas ainda lembro que brinquei de índio e o capacete era feito de caixa de sapato costurado', relembrou. Pirolote brinca na linha de frente da Marujada sempre ostentando o seu tradicional xeque-xeque e sem fraquejar no bailado tradicional do dois-pra-lá, dois-pra-cá. Ele argumenta que 'naquele tempo era melhor', mas as toadas deste ano estão com o ritmo bem mais cadenciado. O pout-pourri de toadas antigas aperta a saudade.
Com tanto entusiasmo, ele reafirma que está preparado para desafiar o boi contrário na arena.
'Eu gostei de algumas toadas, mas ainda falta melhorar. Parece que agora o Caprichoso está no caminho certo', diz o pintor Nilo Gama, 65, morador do Palmares, outro fanático brincante azul e branco. Ninguém duvide que para ele, o boi que 'se fazia antigamente era mais animado, todos acompanhavam as danças'. O fervoroso torcedor admite que muita coisa mudou, mas a saudade do boi antigo bate forte. Ele conta que nos idos de Feliz Cid, Bobozinho, Nascimento Cid e Luiz Gonzaga, os primeiros a comandar a brincadeira, as toadas eram curtas e de fácil compreensão. 'Hoje o que dificulta é que as toadas são longas, acaba o Festival e a gente não aprende', reclama. O som das palminhas valorizado na gravação do CD de 2003 é outro ponto referencial. 'Mas na toada de ritual fica difícil bater palminha', revela o torcedor que já recebeu da diretoria um CD oficial. 'Vou atar a minha rede para ouvir o disco. Eu já escutei as toadas lá no curral, mas em casa que eu vou poder ouvir melhor'.
Para quem acompanhou a trajetória do boi-bumbá o entusiasmo é latente quando se fala da época em que o boi brincava até na comunidade do Aninga. Segundo Gama, no meio de torcedores mais antigos é histórico dizer que o Touro Negro tem que brincar da Francesa ao Aninga. Alguns contadores de histórias dizem que a bandeira azul já foi erguida até na Ilha de Caripuna, no Paraná do Ramos, zona rural de Parintins.
Outro brincante inveterado do Caprichoso, Moisés Dray, afirma que o presidente César Oliveira está fazendo mudanças necessárias no boi, valorizando as toadas, o compasso da dança e dando aos artistas mais autonomia para trabalhar nos galpões. Aos 72 anos, Dray diz que já está cansado e dificilmente brincará este ano. Ele também fala com saudade da época em que o boi dançava nos terreiros das casas iluminado por lamparina. 'Lembro que a gente ia nas casas e depois da apresentação tinha merenda. A gente tomava tacacá, mungunzá e batida de cachaça com laranja da terra', brinca.
Neste ano de 2003 é o sentimento de amor pelo boi que o Caprichoso quer reacender, revivendo a tradição, valorizando as raízes e resgatando a arte produzida pelo povo simples da Ilha de Parintins.