30/06/2004, Jornal A Crítica
O boi de pano, que ganha vida nos domínios e arena de Parintins não é feito de qualquer tecido mágico. Ele também não nasce de engenhocas ou de complicadas engrenagens, assim como não há mistério por traz de esculturas, alegoria e tudo o quase move no Bumbódromo, durante os últimos 3 dias de junho. Para quem trabalha nos bumbás não há segredo. É criação que mistura a força humana com as máquinas construídas por mãos habilidosas, que vão testando evoluções e desafiando a gravidade e a matemática. Também há quem acredite que a cidade tem um misticismo único, que pode ser traduzido como concentração de cada artista em busca da superação.
E é usando a força humana que os artistas de ponta dos bumbas, nomes famosos e que já levaram seu trabalho para o Rio de Janeiro e São Paulo, colocam mesmo o boi na arena , empurrando alegorias e comandados homens que montam os blocos no Bumbódromo . Eles dão a arte, o suor e a vida pelo folclore de Caprichoso e Garantido.
Por dentro do espetáculo se descobre que por trás da vida das alegorias estão mecanismos simples, como o pêndulo, alavancas, carretilhas e cabos de aço, que são que chamados pelo artista Juarez Lima , do conselho de artes do Caprichoso, de robótica artesanal . Não há nada automatizado. Tudo é movimentado por homens que ficam de baixo das alegorias, diz o azul , que defende as cores do boi desde 1983 . Um dos principais nomes artísticos do Caprichoso, Juarez é ex-aluno de um precursor do desenvolvimento da artes plásticas no município, irmão Miguel Pasqualle, 88 que chegou á região em 1962, para atuar como missionário, direto da Itália, e não saiu mais da ilha.
Foi na terra de Caprichoso e Garantido que o italiano passou a inspirar jovens e crianças a pintarem e esculpirem obras religiosas. Para ele, também não há mistério por trás de todo o espetáculo montado ano a ano na arena . O que há é inspiração humana e ciência, porque a artes é uma delas. Tudo é fantasia do homem, de mãos criaturas, fala o irmão, que continua a dar aulas, de segunda-feira a sábado, de 8h ás 11h30 e de 14h ás 17h30, com apoio de ajudante Globery Gonçalves 19.
Foi com o italiano que Juarez começou a pintar, inicialmente artes sacra, que serviu de base para o trabalho no boi. A parte plástica para se dedicar ás alegorias, conhecendo a magia do movimento com outro famoso artista, Jair Mendes. Nos anos 80, eles usavam muito as cordas e técnicas de hoje não tem estudos de engenharia, matemática ou hidráulica. E o nome serve mais para lembra os passos de um robô de que mesmo para representar a ciência da automação.
O intercâmbio cultural com o Carnaval do Rio de Janeiro foi um divisor de águas para o artista, quando ele passou 19 dias na Beija-Flor, em 1989, último ano do carnavalesco Joãozinho Trinta na escola. Neste período, Juarez conheceu o universo do gênio. Do sul ele trouxe para Parintins idéias de elevadores, pastelagens e novos adereços. O que move o boi é a química humana e a responsabilidade de cada artista diz.
Referência e reverenciado por todos, Jair Mendes, 61, está de volta ao Garantido após nove anos afastado do bumbá. Hoje mais dedicado aos trabalhos do carnaval, em especial da Portela, escola da Rio de Janeiro , foi Jair que deu um sopro de vida ao próprio boi (1976 boi biônico) e ás alegorias que surgem na arena . Foi a partir de 1976 que ele começou a introduzir movimentos do festival. Em 1985 passou a amimar estruturas de ferro. Hoje tudo é feito com mais técnica, mas se baseia no que eu já fiz. Alegre por estar de volta ao vermelho, Jair sonha com uma noite especial no Bumbódromo, a apresentação dos bois: Jairzinho, que está no Caprichoso, e Teco, que seguiu seus passos e ficou no vermelho.
Para Jair, o espetáculo não tem mistério e o poder de criação artística é natural, um dom mesmo que ganha repercussão graças a dedicação extrema de pessoas como o irmão Miguel. A evolução constante talvez seja a palavra que resuma melhor o mistério do folclore na selva.
Direto da Itália para ilha
Ainda para o interior foi um acaso na vida do irmão Miguel Pasqualle, missionário católico. Seu destino era Manaus, mas como ficou doente, sua alternativa para a convalescença foi Parintins, onde Arcângelo Cérqua, seu amigo de Milão, era bispo. O religioso não sabia, no entanto, que além de um velho conhecido, também ganhava, á época, um excelente pintor, que acabou ficando na cidade para realizar os afrescos da Catedral de Nossa Senhora do Carmo, fundada em 1962. Foi na pintura da igreja que surgiu, espontaneamente, a escola de artes. Os meninos me ajudavam nos andaimes e as famílias deles acabaram por estimular as aulas.
Miguel vê muitas criatividades e inteligência na juventude Parintinense. Os jovens apredem rapidamente as técnicas e noções de espaços sombras, cores e estrutura que se tornam, em mãos ágeis, imagens e esculturas. Das simples idéias de difundir a palavra de Deus fora da Itália surgiram muitos artistas alguns famoso, como Juarez Lima, do Caprichoso. O italiano acabou servindo de inspiração para a Escola de Artes do Caprichoso, que leva seu nome. No local, crianças e adolescentes aprendem os ofícios que juntos, somados á criatividade, no futuro, vão continuar a transformar o Bumbódromo numa ópera ao ar livre, com animais fantásticos, homens e mulheres suspensos, fogo, lendas, mitos e magias que ganham vida.
Nas aulas, o sagrado e o profano estão mais juntos do que nunca. Os temas religiosos ficam lado alado com os da festa do boi-bumbá. É a tradição e a cultura de um povo servido de inspiração. E seria um contra-senso negar tudo isso. Aos 88 anos, Miguel aparenta sinais de cansaço, mas não pesa em parar de encaminhar jovens arte. Para ele, está na alma do povo o mistério de tanta beleza que vê no Bumbódromo. Dei a corda para a arte e o resto é conseqüência. Devagar os parintineses se tornam artistas.