21/03/2005, Ag/Nativa Comunicações
O preconceito e a divisão de classes vieram à tona com a escolha da nova Cunhã-Poranga do Boi Caprichoso, a artesã de 21 anos Isabel de Souza da Silva, mãe de duas meninas e moradora do bairro Paulo Corrêa, um dos mais pobres da periferia de Parintins. O assunto do momento em Parintins é a surpreendente escolha. Não faltaram críticas nos bastidores, nas esquinas e comentários maldosos que provocaram imediata reação da diretoria do Boi. Por outro lado, diante de tanta polêmica, são inúmeras as manifestações de apoio e de torcedores fanáticos que querem proporcionar a Isabel tudo aquilo que a sua condição de vida humilde não lhe permite ter. “O Caprichoso dá uma demonstração de coragem ao desfazer a fama de boi de elite para assumir uma moça linda, respondeu Simão Assayag, membro do Conselho de Arte.
Ele considerou as críticas desrespeitosas pelo fato da cunhã ser mãe. “ É uma falta de respeito com as mães, ela tem filhos sim e um corpo maravilhoso, que muitas meninas de 16 e 18 anos gostariam de ter. A tez, cor de pele é um complemento que faz da Isabel uma moça linda que o Caprichoso está muito orgulhoso de ter”, assinalou.
Assayag informou que o bumbá não fez limitações, restrições ou imposições quando abriu inscrição para o concurso dos itens femininos. O concurso foi realizado sem preconceito e sem pedir atestado disso ou daquilo. “No fundo as pessoas estão escondendo falso puritanismo, não querem assumir que a moça é humilde. Os filhos são apenas uma desculpa, o que incomoda os preconceituosos é o fato dela ser pobre”, lamentou Simão.

Isabel, a nova cunhã-poranga do Caprichoso, em sua casa, trabalhando com artesanato.
Foto: Peta Cid
Isabel é a representação real da cabocla parintinense, tem o biotipo da Cunhã-Poranga. Os traços do rosto, a cor da pele, os olhos e cabelos negros, o sotaque parintinense e um corpo bem distribuído em 1m71 de altura por 63 quilos fizeram a diferença na decisão dos jurados que a elegeram cunhã.
Na história recente do boi Caprichoso, concursos não eram realizados, as moças eras escolhidas por convite, depois de uma avaliação criteriosa dos dirigentes. A artesã Isabel ninguém tinha conseguido ver, mas ela esteve várias vezes envolvida no boi, escondida nos galpões de alegorias, onde a maioria dos artesãos é do sexo masculino. “Eu ajudava a minha irmã com a equipe que trabalhava na decoração dos módulos”, contou. Ela mal conseguiu dormir na noite após o concurso porque ouvia as vozes das pessoas comentando a seu respeito, uns surpresos com a forma ousada do boi em escolher uma legítima representante cabocla, outros espantadíssimos com a decisão, já que a regra até então observada era que Cunhã-Poranga deveria ter traços finos, nariz perfeito e o rosto que atendesse aos padrões de beleza da sociedade. Isabel muda tudo isso. Ela representa bem a mulher parintinense.
Há três anos por pouco ela não foi levada ao Rio de Janeiro por um carnavalesco da Beija-Flor que visitou o galpão do Caprichoso. Ele viu a moça trabalhando na decoração dos módulos e fez o convite. Essa história veio a público em razão de tamanha polêmica em torno de uma cabocla com cara de índia que vai representar a mais bela da tribo Caprichoso na arena do Bumbódromo. A diretoria do Caprichoso convoca a torcida a se encher de orgulho de Isabel e das outras moças que ganharam o concurso.
A morena do bairro Paulo Corrêa, vive em uma moradia típica das localidades carentes, sem piso de concreto e com divisórias feitas de pano. Hoje, ela é a maior celebridade feminina do boi-bumbá. “Da casa de chão batido para o mundo ver”.