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O indígena faz sua parte com arte

17/04/2006, Flávio de Oliveira, de Brasília-DF, é colaborador deste site

Nas ruas de Parintins qualquer caboclinho é capaz de apontar os principais inimigos da Floresta Amazônica: grileiros e madeireiras asiáticas. Outros poderiam acrescentar o crescimento das cidades, a explosão do chamado agronegócio e a construção de estradas. Não há dúvida de que todos os fatores listados contribuem para degradação da natureza. Daí provavelmente surge a percepção de que os descalabros ambientais no Brasil são favorecidos pela falta de fiscalização e pelo mau planejamento do crescimento econômico.

Mas o drama ambiental no mundo não se restringe às grandes queimadas e derrubadas de floresta densa na Amazônia. A comunidade científica chama atenção para a emissão de gases poluentes na atmosfera devido à queima de combustíveis fósseis nos paises industrializados, fato que está na raiz do aquecimento global e da elevação do nível dos mares.

O cientista Bill Hare, do Instituto de Pesquisa de Impacto Climático Potsdam, na Alemanha, voz ativa na conferência organizada pelo Departamento de Meteorologia da Grã-Bretanha, em fevereiro de 2005, faz uma advertência estarrecedora: uma elevação de temperatura acima de 2ºC, aumentará muito substancialmente os riscos de catástrofes, envolvendo potencialmente um grande número de extinções de espécies ou mesmo o colapso total de ecossistemas essenciais, um grande aumento de riscos de escassez de água e fome, bem como consideráveis prejuízos sócio-econômicos, particularmente nos países em desenvolvimento.

Igualmente chocante é a notícia de que a Ilha de Marajó corre risco de ser acobertada pelo mar. Pesquisadores da Divisão de Sensoriamento Remoto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INPE, utilizando imagens do satélite Landsat, fizeram uma simulação de uma enchente que varreria a Ilha de Marajó com uma elevação de poucos metros no nível do mar. Concluíram, por exemplo, que apenas 2 metros de elevação causaria a perda de 28% do território da ilha para o oceano. Caso a variação seja de 6 metros, 36% da ilha poderão ser inundados para sempre.

O poeta Chico da Silva canta, com inteira razão, que a floresta faz o bem pro nosso astral. Estima-se que a Floresta Amazônica retire diariamente uma quantidade significativa de dióxido de carbono CO2 da atmosfera. Medições recentes indicam que a diferença entre o CO2 absorvido e liberado por 1,0 hectare de floresta pode chegar a 5,0 toneladas anuais. Esta é uma das principais conclusões de uma pesquisa desenvolvida pelo Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia LBA, uma frente internacional de estudos sobre o ecossistema amazônico liderada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INPE.

Os indígenas têm feito a sua parte em relação ao meio-ambiente. A conservação dos bens naturais nos aldeamentos indígenas brasileiros está comprovada mediante levantamento feito pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira COIAB e pelo Instituto de Conservação Ambiental TNC. O trabalho mostrou que 74% das terras indígenas da região têm taxas de desmatamento menores que as áreas em seu entorno.

Imagens geradas por satélite, acrescidas de pesquisa de campo, revelam que, no perímetro das reservas indígenas, sem receber um único tostão do erário para esse fim, a taxa de desmatamento é de 1,1%, enquanto que, convém ressaltar, nas unidades de conservação mantidas pelo Governo Federal, que recebem verba equivalente a R$1,02 por hectare, o desmatamento atingiu 1,52%.

A mentalidade conservacionista dos povos da floresta representa apenas uma gota d’água no rio Amazonas, pois, infelizmente, em muitos pontos a devastação já atingiu nível crítico, de modo que a ação meritória de organizações não-governamentais e do “cariboca do igapó” resulta inglória.

Sabe-se que as leis de mercado não servem para evitar ou conter a devastação orquestrada por madeireiras inescrupulosas, menos ainda quando se trata do entorno de terras indígenas. Monitoramento via satélite feito pelo IBAMA flagrou o enorme cinturão de áreas degradadas que ameaça o Parque Nacional do Xingu. Donde se justifica o pungente toar de Ronaldo Barbosa: o olho de vidro vê o que o olho de Tupã previu.

Os antigos costumam minimizar a validade de discursos e promessas de campanha. Dizem eles que palavras são bonitas, mas o vento leva. O agir tem maior eficácia que o falar. Nesse sentido, o Conselho de Arte do Boi-bumbá Caprichoso agiu com inteiro discernimento ao seguir o ensinamento dos pajés e decidir mostrar a Amazônia enquanto solo sagrado.

Em 2006, o Touro Negro da Tupinambarana vai para o combate defender o solo sagrado da Amazônia – livre do ronco atemorizador das motosserras; livre do pesadelo dos rios secos; livre das cinzas e troncos retorcidos. Enfim, o Caprichoso vai balancear e estremecer o chão para saudar as itaranas que, esquecidas, não tocam mais aqui, em vista dos ecossistemas destroçados.

A extraordinária torcida do Caprichoso certamente explodirá de emoção no momento da guerreira terna nua elevar seu clamor até Tupã pela Amazônia livre:

– Não deixe o verde chorar... não deixe o rio secar...